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«O Leixões é um clube diferente, um verdadeiro exemplo, e uma escola de campeões»

Por: LSC   |   09-05-2020  |  Natação   |  
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Grande entrevista com Fernando Costa, um dos melhores nadadores da história da natação portuguesa e o melhor, até aos dias de hoje, da natação do Leixões Sport Club.

Fernando, como foram dados os primeiros passos na natação e como se dá a integração na equipa do Leixões?
Comecei a nadar através das atividades extra-curriculares do meu Colégio/Pré-Primária Ramalhete no Health Clube da Foz, quando tinha 4 anos. Este foi o meu primeiro contacto com a piscina. Mais tarde, por volta dos 6 anos, comecei a nadar pelas escolas da Câmara Municipal de Matosinhos, atual Matosinhos Sport, onde estive dois anos. O meu treinador era o Delfim Leite. Ao final do segundo ano, fizemos uma competição, na piscina de Matosinhos, e ai surgiu o convite para integrar a equipa de competição do Leixões SC, no escalão de cadetes sobe a comando do João Botelho e do Sérgio Souto (ambos referências no nosso clube). A partir daqui, a integracão foi acontecendo de uma formal natural, rodeado de muitos amigos, e sempre orientado por treinadores muito competentes que tornaram esta evolução natural.

Seguiram-se muitos anos e muitas competições, onde foste participando em várias seleções nacionais em importantes competições internacionais. À exceção dos Jogos Olímpicos, já lá vamos, alguma que queiras destacar ou que te tenha dado especial satisfação?
Destacam-se algumas competições em representação do Leixões e da Seleção Nacional. Por exemplo, a primeira vez que bati o recorde nacional absoluto na piscina olímpica do Luxemburgo e tive uma receção memorável, no aeroporto do Porto, pela massa associativa do clube. A qualificação para os primeiros Jogos Olímpicos num Open de França em 2004. A subida da equipa masculina do Leixões à primeira divisão, inédito na história da natação do clube, em que o atual diretor, Bruno Monteiro, também fazia parte da equipa. A maioria dos sócios do Leixões não tem noção do número de treinos semanais e horas de treino diárias que este desporto implica.

Fala-nos um pouco sobre isso, o que foi necessário para alcançar os mínimos para Atenas 2004, e já agora sobre esse momento de realização.
Acho que, como em tudo, se resume a algum talento, sorte e muito trabalho! Desde os meus 14/15 anos que comecei a fazer treinos bi-diários, num total de onze treinos semanais. Portanto, já no 10.º ano de escolaridade, acordava todos os dias por volta das 5h15 para fazer um treino de 2 horas de manhã, antes das aulas começarem, e no final do dia mais um treino de 2 a 3 horas. O facto de na altura treinar na Piscina Municipal de Matosinhos e frequentar a ESAG (Escola Secundária Augusto Gomes), e pela proximidade das duas, acabou por tornar tudo mais fácil numa fase inicial. A qualificação para Atenas foi um momento mágico, mais uma vez fruto de muito trabalho e sacrifício. Vários estágios, entre eles estágios de altitude, etc, mas tudo recompensado pelo objetivo alcançado. De realçar que na altura o meu treinador era o José Baltar Leite, e ele teve um papel importantíssimo na minha qualificação.


Em dezembro de 2004 tu e a tua equipa colocam pela primeira vez o nosso clube na 1.ª Divisão Masculina da modalidade. Descreve-nos essa equipa e o que significou esse título para o clube.
Sem dúvida alguma era uma grande equipa, com grandes atletas e um equipa muito completa. Provavelmente a melhor equipa masculina que o Leixões já teve, sob o comando do Baltar Leite. A equipa era composta pelo Ricardo Rêgo, Luis Silva, Bruno Monteiro, José Fonseca, Paulo Pereira, Pedro Coelho, Edgar Bártolo e eu. Quem esteve presente nesta competição, seguramente não se esquecerá desse fim de semana. Foi um momento histórico da natação do Leixões, e para mim muito especial por poder comemorá-la com todos os meus colegas de equipa. Começamos a competição muito concentrados e focados no objetivo. Sabíamos que não podíamos cometer nenhum erro, uma desqualificação podia deitar tudo a perder e as estafetas contavam a dobrar. Na última sessão, domingo à tarde,, a euforia já era tanta, que não nos conseguiamos conter. Foi um momento único, resultado do nosso esforço e dedicação, sem dúvida alguma, muito merecido.

Depois disso rumaste aos Estados Unidos, onde concluíste a tua formação académica e continuaste a competir ao mais alto nível. Como é que acontece essa mudança? Porquê? E como foram os primeiros tempos nos Estados Unidos?
Os Estados Unidos surge um pouco por iniciativa minha, em busca de mudar rotinas e continuar a procurar a evolução. Na altura, não tinha grande concorrência em Portugal a nivel de provas de fundo e com o ingresso na faculdade, conciliar as duas componentes, académica e desportiva, não estava a ser fácil. Nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, conheci alguns treinadores de universidades nos Estados Unidos, um deles Anthoy Nesty, medalhado olimpico em 1988 e que na altura era treinador adjunto da University of Florida. Depois de demonstrar o meu interesse, comecei a receber vários contatos de outras universidades e oferta de bolsas para entrar no ensino americano, tendo decidido arriscar. Na altura, não foi uma fácil decisão, pois a mudança era grande e assustadora, mas hoje acredito que tenha sido uma das melhores decisões que tomei. Os primeiros tempos... a nível pessoal, não vou mentir, não foi nada fácil. Chegar aos Estados Unidos, sozinho, com 20 anos e duas malas na mão, foi um sentimento assutador. Mas no segundo dia, já estava integrado com a equipa e tudo aconteceu de uma forma muito natural. Uma filosifia de treino muito diferente, acabou por quebrar as rotinas anteriores e tornou-me mais completo como atleta. O resultado, depois de estar na Flórida durante cinco meses, fui competir o Europeu de Piscina Curta, em Trieste em 2005, com a Seleção Nacional e fiz 15:04:78, na altura recorde nacional absoluto e a minha melhor marca de sempre nos 1500 em piscina curta (25metros).

Continuaste a representar o Leixões e a seleção portuguesa, mas também representaste a tua universidade. Quais são as principais diferenças entre uma competição nos Estados Unidos e uma em Portugal? Alguma que te tenha marcado de forma especial?
Voltemos atrás ao nacional de clubes, quando o Leixões subiu à Primeira Divisão. O espírito, nas competições da universidade é muito idêntico e o ano todo assim. A grande diferença é que todos os nadadores moram juntos ou muito perto, e estamos quase todos longe da família, portanto o espírito de equipa acaba por ser muito forte e intenso. As diferenças são muitas, a vários níveis. Só para dar um exemplo, tínhamos Dual Meets, uma universidade contra a outra, quase todos os fins de semanas, em determinadas fases da época. Saía do treino de Sábado de manhã de rastos, treinos de intensidade alta, e ainda ia ter que competir depois do almoço. Os tempos pouco importavam, o que importava era ser competitivo e ir buscar os pontos para a Universidade. Só aqui já demonstra um pouco a diferença, mentalidades e formatos de treino. Acredito que a competição que mais me marcou tenha sido o NCAA, no meu último ano na Wayne State University, onde ficamos em 2.º lugar e até hoje a melhor posição que a Wayne State University conseguiu com a equipa masculina.


Quatro anos depois de Atenas e voltas a estar presente nos Jogos Olímpicos, desta vez Pequim. Fala-nos sobre a preparação em solo americano. Muito diferente do que fazias em Portugal?
A vinda para os Estados Unidos acaba por ser um objetivo a quatro anos, nos quais eu tento preparar um ciclo olímpico, mas também conciliar a parte académica. Acho que acima de tudo foi uma experiência de vida única, pois a nível pesoal evolui muito. A preparação entre 2005 e 2008 acaba por ser dividida em 2 fases - de Setembro até Maio estudo e treino nos Estados Unidos e de Maio até Agosto faço a preparação específica em Portugal. Para mim esta foi a combinação perfeita, que resulta na minha evolução como atleta, onde acabo por bater os 3 recordes nacionais absolutos em 2007, nos nacionais em representação do Leixões, na Piscina de Aveiro (400L, 800L e 1500L) e poucas semanas depois carimbo a minha qualificação para Pequim 2008 nas Universiadas de 2007 - Campeonato Mundial Universitário, na Tailandia, onde fico em 4.º lugar com o tempo de 15:16:22, marca que até hoje, continua a ser a minha melhor nos 1500L em piscina longa.

Foram várias as provas que ganhaste ao longo da sua carreira. Qual a que lhe deu mais satisfação e porquê?
Foram varias provas e muitas vitórias, mas recordo-me, com muito carinho, o primeiro lugar no meeting do Porto em 2009, já no final da minha carreira. Pode parecer uma escolha estranha, mas eu explico o porquê. Ao tomar a decisão de ir para os Estados Unidos, acabei por abdicar de várias coisas, entre elas o tempo com a minha família. Durante este tempo, a saúde do meu falecido avô foi decaindo. Em 2009, ele com algum sacrificio pessoal, foi até à piscina de Campanhã, na altura descoberta, e sentou-se no bar com a minha avó para ver a minha prova. Lembro que a prova tinha pouca importância no calendário da época, mas para mim, vencer os 1500L com o meu avô a ver ao vivo, foi algo de muito especial.


Foto do final da prova do momento descrito anteriormente

Sabemos que o desporto é pródigo em histórias engraçadas, muitas vezes bizarras. Alguma que possas partilhar connosco?
São muitas histórias, mas depois da última pergunta, não me recordo de nada que seja relevante.

Há pouco tempo estiveste em Portugal. Treinaste com a equipa master, participaste no jantar anual da secção de natação e no aniversário do clube, onde inclusivamente recebeste o emblema referente aos 25 anos como associado. Como foi a sensação de regresso a casa?
O Leixões é como uma segunda família, portanto é sempre bom estar perto das pessoas que tanto gostamos e acarinhamos. Nos masters fui recebido muito bem, e pude voltar a treinar com o Bruno, Coelho, Edgar e Paulinho (só um dia), e uma futebolada com o Ricardo Rêgo acabam por se tornar em momentos únicos. Saber que todos evoluímos na direção certa, profissionalmente orientados e alguns casados com filhos é muito gratificante. Acho que essa é a grande vantagem do desporto, e em particular da natação por ser muito exigente. Desde muito cedo somos obrigado a nos tornarmos auto disciplinados. Esta disciplina acaba por ser útil para o resto das nossas vidas. O jantar e o aniversário do clube acabaram por ser coincidências muito agradáveis.


Quem é o Fernando Costa hoje?
Neste momento o Fernando continua a ser a mesma pessoa, com o foco mais direcionado na área profissional. A nível desportivo, tento manter-me ativo praticando natação, corridas e triatlos, mas neste momento tudo muito na desportiva.

Continuas a acompanhar o Leixões? Como vês a secção de Natação?
Acompanho o Leixões dentro das minha limitações, visto que estou a residir nos Estados Unidos. Mas a camisola e o cachecol estão aqui comigo. A secção de natação está entregue a pessoas muito competentes, direção e quadro técnico, e vejo o futuro com bons olhos. Como qualquer leixonense, continuo pacientemente a aguardar para o ver o Leixões no lugar onde merece estar, a 1ª Divisão.

Gostarias de deixar uma mensagem a todos os leixonenses?
Agradecer todo o carinho que sempre recebi ao longo dos anos. Desde a receção no aeroporto do Porto até ir ao centro do relvado, do Estádio do Mar, no intervalo do jogo, e ser aplaudido por milhares de adeptos ou mesmo ver a Máfia Vermelha, com um cartaz por eu me ter qualificado para os Jogos Olímpicos. São alguns dos exemplos que me recordo que demonstram o carinho que eu sempre recebi. Sem dúvida alguma, o Leixões é um clube diferente, um verdadeiro exemplo, e uma escola de campeões.

Para finalizar, queres deixar algum apelo ou comentário sobre o estado atual do mundo, tendo em conta a pandemia?
Acho que a mensagem é sempre a mesma: respeitar as autoridades e manter o pensamento positivo. Vivemos tempos incertos e difíceis. Possivelmente, isto está longe de terminar (Pandemia e impacto financeiro). Assim, tal como no desporto, temos que nos manter sempre focados no que é realmente importante e com muito trabalho tudo será ultrapassado.